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#3 Pais adotivos cuidam tão bem quanto pais biológicos

agosto 28, 2019 em 8:55 , Nenhum comentário

Na notícia de hoje, contarei mais uma pesquisa produzida por colegas do laboratório no qual eu fiz o doutorado. Esta foi uma das produções do doutorado da Rosa (Rosannette Quesada-Hidalgo), no qual ela investigou a eficiência do cuidado parental de machos e fêmeas ao proteger ovos que não são deles. Além de pesquisadora, a Rosa é apaixonada pela comunicação da ciência e mantém o Opilio Tracker, um projeto que visa ensinar às pessoas sobre os opiliões, que são aracnídeos inofensivos ao homem (Opiliones, Arachnida). Vocês podem seguir o Opilio Tracker no Facebook, Twitter ou Instagram. O projeto é incrível, recomendo muito!

Segue a notícia:

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Quem cuida dos ovos quando o pai some?

Em muitas espécies de animais, os machos cuidam sozinhos dos ovos e dos filhotes. Nessas espécies, a ausência do pai deixa a prole vulnerável aos predadores e às condições climáticas, podendo levá-los à morte. Porém, algumas vezes vemos ovos e filhotes sendo adotados por outros indivíduos adultos. Por que a adoção acontece? Será que pais adotivos cuidam tão bem dos filhotes quanto os pais biológicos? Estas são questões superinteressantes que os ecólogos comportamentais buscam compreender.

Na espécie de opilião Quindina limbata, encontrada nas florestas tropicais da América Central, os machos constroem ninhos de barro em troncos caídos. Os ninhos são visitados por várias fêmeas, que podem ou não copular com o macho dono do ninho. Quando a cópula acontece, a fêmea deixa os ovos enterrados no chão do ninho e vai embora. Fêmeas só copulam com machos que tem ninho. Machos geralmente ficam dentro do mesmo ninho por várias semanas ou meses, mantendo o ninho inteiro e protegendo ovos e filhotes recém-nascidos de predadores. Algumas vezes outros machos tentam roubar o ninho e, por isso, machos com ninhos tem que defender-se também de outros machos. Há algumas fêmeas que ficam perto de um ninho específico por um bom período de tempo – consideradas como “associadas ao ninho” – mas não se sabe exatamente o porquê. Mais importante: machos e fêmeas adultos são canibais e podem comer os ovos.

Dadas todas essas características interessantes da espécie, os pesquisadores buscaram responder às seguintes perguntas:

- machos são mesmo bons cuidadores dos ovos e filhotes? A presença do pai reduz o ataque dos predadores?

- fêmeas que estão associadas ao ninho irão ajudar a cuidar do ninho (e dos ovos) na ausência do pai? Será que elas podem chegar a adotar um ninho?

- na ausência do pai, outros machos irão adotar os ninhos? Se sim, estes pais adotivos serão tão bons cuidadores quanto os pais biológicos?

(a) Macho e fêmea do opilião Quindina limbata dentro de um ninho. O círculo pontilhado mostra ovos brancos recentemente colocados parcialmente enterrados pela fêmea no chão do ninho. (b) Dois indivíduos marcados de Q. limbata: um macho dono de ninho e uma fêmea associada ao ninho do macho. Note que a fêmea está em contato próximo com a parede externa do ninho, estende seu segundo par de pernas sensoriais e toca a parede do ninho. Créditos da imagem: Rosanette Quesada-Hidalgo.

Como eles fizeram?

Os cientistas fizeram duas viagens de 8 dias às florestas tropicais da Costa Rica nas quais fizeram um experimento em campo. Nos primeiros 4 dias de cada viagem, eles procuraram e marcaram os ninhos, os opiliões que estavam nos ninhos e os adultos que estavam circulando sem ninho. Para identificar os adultos individualmente, os cientistas utilizaram uma tinta que não tem efeito no comportamento dos opiliões e os pintaram com padrões diferentes de cores.

No início do quinto dia, os cientistas separaram os ninhos em dois grupos: grupo teste, no qual os cientistas removiam permanentemente o macho dono do ninho; e grupo controle, no qual os cientistas removiam o macho, mas imediatamente o colocavam de volta no ninho. Os cientistas então observaram os ninhos por 4 dias e registraram as seguintes informações:

1) se o ninho foi adotado por algum opilião adulto e o sexo do indivíduo que adotou o ninho. Os cientistas consideraram como uma adoção quando um mesmo opilião adulto foi observado dentro do ninho por pelo menos 3 dias, ou quando o indivíduo que estava dentro do ninho afastava outros opiliões ou predadores que se aproximavam;

2) a predação sofrida pelos ovos em todos os ninhos, adotados ou não. Como os ovos são super difíceis de ver e contar, a intensidade de predação foi medida pelo número e vezes que um potencial predador era visto dentro do ninho (incluindo opiliões adultos, que geralmente eram da mesma espécie, e que não adotaram o ninho).

3) o comportamento das fêmeas que estavam no redor dos ninhos, a fim de observar se elas ajudariam os machos (adotivos ou não) a cuidar dos ovos.


(c) Fêmea de Quindina limbata canibalizando um ovo (seta branca) dentro de um ninho do qual o macho dono foi retirado pelos pesquisadores. Créditos da imagem: Rosanette Quesada-Hidalgo.

O que eles descobriram?

Como esperado, a intensidade de predação foi maior nos ninhos vazios (grupo teste) do que nos ninhos onde os machos foram mantidos (ninhos do grupo controle). As fêmeas que “adotaram” os ninhos foram vistas comendo os ovos e os principais predadores que visitaram os ninhos foram fêmeas de opilião, o que confirmou aos cientistas que as fêmeas estão os principais predadores dos ovos de outras fêmeas. A principal e mais interessante descoberta da pesquisa diz respeito aos pais adotivos: eles foram tão eficientes quanto os machos donos de ninhos na prevenção de ataques por potenciais predadores de ovos.



 (d) Um grilo e (e) um piolho-de-cobra dentro de ninhos dos quais os machos foram retirados pelos pesquisadores. Tanto o grilo quanto o piolho-de-cobra se alimentam no chão do ninho e eventualmente consomem ovos enterrados nele. Créditos da imagem: Rosanette Quesada-Hidalgo.

Por que isso é importante?

Os resultados encontrados pelos cientistas constataram que, na espécie de opilião de ninho de barro (Quindina limbata), os machos são ótimos em cuidar dos ovos. O cuidado dos machos previne o ataque de predadores, tornando-se essencial para a sobrevivência da prole. Além disso, os machos não só cuidam dos seus próprios ovos como podem adotar e cuidar muito bem de ovos que não são seus!

Mas por que este comportamento estranho teria evoluído nesta espécie? Qual a vantagem que os machos obtêm em cuidar dos ovos alheios?

Como já foi dito no início da notícia, as fêmeas deste opilião só copulam com machos que possuem ninhos. Por outro lado, construir e manter um ninho demanda muito tempo e energia para os machos. Ao adotar um ninho vazio, os machos conseguem um ninho sem custo algum e assim podem conquistar parceiras e ter seus próprios ovos. Por isso os machos tentam inclusive roubar os ninhos de outros machos.

Porém, opiliões são canibais e os ovos são cheios de nutrientes, sendo ótimas fontes de alimento. Sendo assim, por que então os machos que adotam não comem os ovos e ficam só com o ninho?

Em muitas espécies de artrópodes e peixes em que machos cuidam da prole sozinhos, fêmeas se sentem atraídas por machos que já possuam ovos ou filhotes. Elas se sentem ainda mais atraídas se estes ovos e filhotes estiverem em boas condições, um sinal de que o acho é um bom cuidador.

Ou seja: o comportamento em que opiliões machos adotam ninhos vazios provavelmente é uma estratégia oportunista, na qual machos ganham as vantagens de ter um belo ninho com ovos, sem ter que gastar energia para produzir um ninho!

Os resultados desta pesquisa reforçam a importância tanto da seleção natural (evitar a morte dos ovos) quanto da seleção sexual (se tornar atraente para as fêmeas) para a evolução da exclusividade do cuidado paternal nas espécies.

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Para acessar o artigo científico, clique aqui.

Autores do artigo: Rosannette Quesada-Hidalgo, Diego Solano-Brenes, Gustavo S. Requena e Glauco Machado


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