#3 Pais adotivos cuidam tão bem quanto pais biológicos
Na
notícia de hoje, contarei mais uma pesquisa produzida por colegas do
laboratório no qual eu fiz o doutorado. Esta foi uma das produções do doutorado
da Rosa (Rosannette Quesada-Hidalgo), no qual ela investigou a eficiência do
cuidado parental de machos e fêmeas ao proteger ovos que não são deles. Além de
pesquisadora, a Rosa é apaixonada pela comunicação da ciência e mantém o Opilio
Tracker, um projeto que visa ensinar às pessoas sobre os opiliões, que são
aracnídeos inofensivos ao homem (Opiliones, Arachnida). Vocês podem seguir o
Opilio Tracker no Facebook, Twitter ou Instagram. O projeto é incrível, recomendo muito!
Segue
a notícia:
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Quem
cuida dos ovos quando o pai some?
Em
muitas espécies de animais, os machos cuidam sozinhos dos ovos e dos filhotes.
Nessas espécies, a ausência do pai deixa a prole vulnerável aos predadores e às
condições climáticas, podendo levá-los à morte. Porém, algumas vezes vemos ovos
e filhotes sendo adotados por outros indivíduos adultos. Por que a adoção
acontece? Será que pais adotivos cuidam tão bem dos filhotes quanto os pais
biológicos? Estas são questões superinteressantes que os ecólogos
comportamentais buscam compreender.
Na
espécie de opilião Quindina limbata, encontrada
nas florestas tropicais da América Central, os machos constroem ninhos de barro
em troncos caídos. Os ninhos são visitados por várias fêmeas, que podem ou não
copular com o macho dono do ninho. Quando a cópula acontece, a fêmea deixa os
ovos enterrados no chão do ninho e vai embora. Fêmeas só copulam com machos que
tem ninho. Machos geralmente ficam dentro do mesmo ninho por várias semanas ou
meses, mantendo o ninho inteiro e protegendo ovos e filhotes recém-nascidos de
predadores. Algumas vezes outros machos tentam roubar o ninho e, por isso,
machos com ninhos tem que defender-se também de outros machos. Há algumas fêmeas
que ficam perto de um ninho específico por um bom período de tempo –
consideradas como “associadas ao ninho” – mas não se sabe exatamente o porquê.
Mais importante: machos e fêmeas adultos são canibais e podem comer os ovos.
Dadas todas essas
características interessantes da espécie, os pesquisadores buscaram responder
às seguintes perguntas:
- machos são mesmo
bons cuidadores dos ovos e filhotes? A presença do pai reduz o ataque dos
predadores?
- fêmeas que estão
associadas ao ninho irão ajudar a cuidar do ninho (e dos ovos) na ausência do
pai? Será que elas podem chegar a adotar um ninho?
- na ausência do pai, outros machos irão adotar os ninhos? Se sim, estes pais adotivos serão tão bons cuidadores quanto os pais biológicos?
(a) Macho e fêmea do opilião Quindina limbata dentro de um ninho. O
círculo pontilhado mostra ovos brancos recentemente colocados parcialmente
enterrados pela fêmea no chão do ninho. (b) Dois indivíduos marcados de Q. limbata: um macho dono de ninho e uma
fêmea associada ao ninho do macho. Note que a fêmea está em contato próximo com
a parede externa do ninho, estende seu segundo par de pernas sensoriais e toca
a parede do ninho. Créditos da imagem: Rosanette Quesada-Hidalgo.
Como eles fizeram?
Os
cientistas fizeram duas viagens de 8 dias às florestas tropicais da Costa Rica nas
quais fizeram um experimento em campo. Nos primeiros 4 dias de cada viagem, eles
procuraram e marcaram os ninhos, os opiliões que estavam nos ninhos e os
adultos que estavam circulando sem ninho. Para identificar os adultos
individualmente, os cientistas utilizaram uma tinta que não tem efeito no
comportamento dos opiliões e os pintaram com padrões diferentes de cores.
No início
do quinto dia, os cientistas separaram os ninhos em dois grupos: grupo teste,
no qual os cientistas removiam permanentemente o macho dono do ninho; e grupo
controle, no qual os cientistas removiam o macho, mas imediatamente o colocavam
de volta no ninho. Os cientistas então observaram os ninhos por 4 dias e
registraram as seguintes informações:
1) se o ninho foi
adotado por algum opilião adulto e o sexo do indivíduo que adotou o ninho. Os
cientistas consideraram como uma adoção quando um mesmo opilião adulto foi
observado dentro do ninho por pelo menos 3 dias, ou quando o indivíduo que
estava dentro do ninho afastava outros opiliões ou predadores que se
aproximavam;
2) a predação
sofrida pelos ovos em todos os ninhos, adotados ou não. Como os ovos são super
difíceis de ver e contar, a intensidade de predação foi medida pelo número e
vezes que um potencial predador era visto dentro do ninho (incluindo opiliões
adultos, que geralmente eram da mesma espécie, e que não adotaram o ninho).
3) o comportamento
das fêmeas que estavam no redor dos ninhos, a fim de observar se elas ajudariam
os machos (adotivos ou não) a cuidar dos ovos.
(c) Fêmea de Quindina limbata canibalizando um ovo (seta branca) dentro de um
ninho do qual o macho dono foi retirado pelos pesquisadores. Créditos da
imagem: Rosanette Quesada-Hidalgo.
O
que eles descobriram?
Como
esperado, a intensidade de predação foi maior nos ninhos vazios (grupo teste)
do que nos ninhos onde os machos foram mantidos (ninhos do grupo controle). As
fêmeas que “adotaram” os ninhos foram vistas comendo os ovos e os principais
predadores que visitaram os ninhos foram fêmeas de opilião, o que confirmou aos
cientistas que as fêmeas estão os principais predadores dos ovos de outras
fêmeas. A principal e mais interessante descoberta da pesquisa diz respeito aos
pais adotivos: eles foram tão eficientes quanto os machos donos de ninhos na
prevenção de ataques por potenciais predadores de ovos.
(d) Um
grilo e (e) um piolho-de-cobra dentro de ninhos dos quais os machos foram retirados
pelos pesquisadores. Tanto o grilo quanto o piolho-de-cobra se alimentam no
chão do ninho e eventualmente consomem ovos enterrados nele. Créditos da
imagem: Rosanette Quesada-Hidalgo.
Por
que isso é importante?
Os
resultados encontrados pelos cientistas constataram que, na espécie de opilião
de ninho de barro (Quindina limbata),
os machos são ótimos em cuidar dos ovos. O cuidado dos machos previne o ataque
de predadores, tornando-se essencial para a sobrevivência da prole. Além disso,
os machos não só cuidam dos seus próprios ovos como podem adotar e cuidar muito
bem de ovos que não são seus!
Mas
por que este comportamento estranho teria evoluído nesta espécie? Qual a
vantagem que os machos obtêm em cuidar dos ovos alheios?
Como
já foi dito no início da notícia, as fêmeas deste opilião só copulam com machos
que possuem ninhos. Por outro lado, construir e manter um ninho demanda muito
tempo e energia para os machos. Ao adotar um ninho vazio, os machos conseguem
um ninho sem custo algum e assim podem conquistar parceiras e ter seus próprios
ovos. Por isso os machos tentam inclusive roubar os ninhos de outros machos.
Porém,
opiliões são canibais e os ovos são cheios de nutrientes, sendo ótimas fontes
de alimento. Sendo assim, por que então os machos que adotam não comem os ovos
e ficam só com o ninho?
Em
muitas espécies de artrópodes e peixes em que machos cuidam da prole sozinhos,
fêmeas se sentem atraídas por machos que já possuam ovos ou filhotes. Elas se
sentem ainda mais atraídas se estes ovos e filhotes estiverem em boas
condições, um sinal de que o acho é um bom cuidador.
Ou
seja: o comportamento em que opiliões machos adotam ninhos vazios provavelmente
é uma estratégia oportunista, na qual machos ganham as vantagens de ter um belo
ninho com ovos, sem ter que gastar energia para produzir um ninho!
Os
resultados desta pesquisa reforçam a importância tanto da seleção natural
(evitar a morte dos ovos) quanto da seleção sexual (se tornar atraente para as
fêmeas) para a evolução da exclusividade do cuidado paternal nas espécies.
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Para acessar o
artigo científico, clique aqui.
Autores do artigo: Rosannette Quesada-Hidalgo, Diego Solano-Brenes, Gustavo S. Requena e Glauco Machado