#2 Pais cuidadosos ou amantes interesseiros? A novela dos aracnídeos que cuidam de seus filhos
Na
notícia de hoje, contarei outra pesquisa feita por ex-colegas do laboratório no
qual eu fiz o doutorado. Este foi o trabalho de iniciação científica da Louise M. Alissa, no
qual ela investigou o porquê de apenas alguns machos de uma espécie de opilião
cuidarem da prole. Segue a notícia:
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Cuidado paternal: quando machos
cuidam dos filhotes
Fêmeas investem muito mais na produção de gametas
do que machos e por isso, tradicionalmente, esperamos que fêmeas se dediquem
mais em cuidar dos filhotes. Porém, o cuidado paternal é encontrado em diversas
espécies. Machos que exibem cuidado paternal gastam tempo e energia cuidando de
filhotes, por isso gastam menos tempo procurando fêmeas para copular. Assim, o
cuidado paternal deve evoluir somente quando os ganhos em cuidar dos filhotes
são maiores que os custos para os machos.
Custos e
benefícios de cuidar de filhotes variam com as características da espécie e com
características individuais de cada macho. Em espécies em que machos tem
haréns, cuidar de filhotes diminui o tempo que os machos poderiam investir em impedir que suas fêmeas copulem com outros
machos. Nesses casos, espera-se que não haja cuidado, ou que só a fêmea cuide.
Além disso, espera-se que machos atraentes cuidem menos da prole, já que são
eles que conseguem atrair várias fêmeas e formar haréns. Por outro lado, machos
pouco atraentes dificilmente vão conseguir muitas parceiras, por isso espera-se
que estes machos dediquem mais tempo cuidando dos filhotes.
Opiliões são aracnídeos, primos das aranhas, que não tem veneno e são inofensivos para
os seres humanos. Na espécie de opilião Serracutisoma
proximum, machos mais atrativos defendem territórios. As fêmeas escolhem o
macho, copulam com ele, deixam os seus ovos no território do macho e ficam ali
cuidando deles. Machos com território mantêm haréns e patrulham o território
para evitar que machos solteiros copulem com as fêmeas. Curiosamente, alguns machos
donos de haréns são observados tomando conta de ovos quando a mãe não está por
perto.
Para esclarecer
este comportamento dos machos, os cientistas buscaram responder as seguintes
dúvidas:
1) será que o
comportamento cuidar ou não da prole está relacionado à atratividade dos machos?
2) quando os machos cuidam, a mortalidade dos ovinhos diminui?
3) ter dúvidas
sobre à paternidade dos ovos afeta o cuidado paternal?
Macho de Serracutisoma proximum tomando conta dos
ovos deixados por uma das fêmeas de seu harém. Créditos da imagem: Louise M.
Alissa
Como eles fizeram?
Os cientistas fizeram um experimento
em campo, no qual manipularam os indivíduos na natureza. Eles encontraram 35 haréns nos riachos onde
esses animais são encontrados na floresta. Em cada harém, os cientistas
identificaram as fêmeas que estavam com ovos e removeram uma delas. Eles então
observaram:
- se o macho dono do
harém foi cuidar destes ovos
- se o macho era atrativo
ou não (ou seja, se ele costumava atrair muitas fêmeas)
- se o macho dono do harém protegia os ovos de possíveis predadores
- se machos que tinham
mais certeza que eram pai dos ovos cuidavam mais. Como medida de “certeza de
paternidade”, os cientistas utilizaram a frequência com que os machos ficavam
perto das fêmeas do harém. A lógica é: se o macho estava sempre de olho, ele
sabe que nenhum outro macho se aproximou das fêmeas de seu harém e que ele é o
pai.
O que eles descobriram?
A maioria dos
machos donos de harém se colocou sobre os ovos quando a mãe foi removida,
indicativo de cuidado paternal. Porém, eles não foram muito bons cuidadores.
Primeiramente, o número de ovos que morreram com ou sem os machos por perto foi o mesmo. Este foi o primeiro resultado inesperado, já que, em um estudo anterior, cientistas perceberam que a presença de machos diminuiu a mortalidade dos ovos.
Em segundo
lugar, quando novas fêmeas chegaram ao harém, estes machos permitiram que elas
comessem os ovos que eles supostamente estavam cuidando. Em seguida, eles
copulavam com elas.
Por fim, machos mais atraentes ou que tinham menores certezas de paternidade passaram menos tempo cuidando dos ovos do que machos menos atraentes ou que tinham mais certeza de paternidade.
Macho de Serracutisoma proximum tomando conta dos ovos deixados por uma das fêmeas de seu
harém. Créditos da imagem: Louise M. Alissa
Por que isso é importante?
Entender os
custos e benefícios do comportamento dos indivíduos é crucial para entendermos
como eles evoluíram. O estudo feito com o opilião S. proximum trouxe importantes esclarecimentos sobre a evolução do
cuidado paternal. Na espécie estudada, machos cuidam dos ovos, mas a qualidade
do cuidado depende do quanto o macho está ganhando com isso. Se o macho é muito
atraente, ou se o macho não tem certeza que é o pai dos ovos, ele prefere
investir em conseguir novas parceiras ao invés de cuidar. Além disso, caso
machos tenham a chance de ter mais filhotes com outras fêmeas, eles não se
importam em sacrificar os filhotes que já existem. Assim, dependendo das
características do macho e da situação na qual ele se encontra, encontraremos
bons ou maus pais na natureza. Na espécie estudada, cuidar ou não é opcional para
os machos e depende das condições atuais. Em outras, o cuidado paternal é
crucial para que os filhotes sobrevivam, por isso evoluiu e é obrigatório. Podemos
esperar que o cuidado paternal evolua e se estabeleça somente quando cuidar da
prole aumenta o sucesso reprodutivo dos machos.
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5 comentários - #2 Pais cuidadosos ou amantes interesseiros? A novela dos aracnídeos que cuidam de seus filhos
Quais são os cuidados que os ovos de opilião necessitam pra não morrer?
Quais são os cuidados que os ovos de opilião necessitam pra não morrer?
No caso das centenas de outras espécies de opilião que existem, os cuidados que os ovos precisam variam bastante. Espécies diferentes tem diferentes formas e locais de deixar os ovos, que podem estar mais ou menos expostos. Além disso, há espécies em que só a mãe cuida, outras em que só o pai cuida e outras em que nenhum dos pais cuida dos ovos.