#3 Pais adotivos cuidam tão bem quanto pais biológicos
Na
notícia de hoje, contarei mais uma pesquisa produzida por colegas do
laboratório no qual eu fiz o doutorado. Esta foi uma das produções do doutorado
da Rosa (Rosannette Quesada-Hidalgo), no qual ela investigou a eficiência do
cuidado parental de machos e fêmeas ao proteger ovos que não são deles. Além de
pesquisadora, a Rosa é apaixonada pela comunicação da ciência e mantém o Opilio
Tracker, um projeto que visa ensinar às pessoas sobre os opiliões, que são
aracnídeos inofensivos ao homem (Opiliones, Arachnida). Vocês podem seguir o
Opilio Tracker no Facebook, Twitter ou Instagram. O projeto é incrível, recomendo muito!
Segue
a notícia:
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Quem
cuida dos ovos quando o pai some?
Em
muitas espécies de animais, os machos cuidam sozinhos dos ovos e dos filhotes.
Nessas espécies, a ausência do pai deixa a prole vulnerável aos predadores e às
condições climáticas, podendo levá-los à morte. Porém, algumas vezes vemos ovos
e filhotes sendo adotados por outros indivíduos adultos. Por que a adoção
acontece? Será que pais adotivos cuidam tão bem dos filhotes quanto os pais
biológicos? Estas são questões superinteressantes que os ecólogos
comportamentais buscam compreender.
Na
espécie de opilião Quindina limbata, encontrada
nas florestas tropicais da América Central, os machos constroem ninhos de barro
em troncos caídos. Os ninhos são visitados por várias fêmeas, que podem ou não
copular com o macho dono do ninho. Quando a cópula acontece, a fêmea deixa os
ovos enterrados no chão do ninho e vai embora. Fêmeas só copulam com machos que
tem ninho. Machos geralmente ficam dentro do mesmo ninho por várias semanas ou
meses, mantendo o ninho inteiro e protegendo ovos e filhotes recém-nascidos de
predadores. Algumas vezes outros machos tentam roubar o ninho e, por isso,
machos com ninhos tem que defender-se também de outros machos. Há algumas fêmeas
que ficam perto de um ninho específico por um bom período de tempo –
consideradas como “associadas ao ninho” – mas não se sabe exatamente o porquê.
Mais importante: machos e fêmeas adultos são canibais e podem comer os ovos.
Dadas todas essas
características interessantes da espécie, os pesquisadores buscaram responder
às seguintes perguntas:
- machos são mesmo
bons cuidadores dos ovos e filhotes? A presença do pai reduz o ataque dos
predadores?
- fêmeas que estão
associadas ao ninho irão ajudar a cuidar do ninho (e dos ovos) na ausência do
pai? Será que elas podem chegar a adotar um ninho?
- na ausência do pai, outros machos irão adotar os ninhos? Se sim, estes pais adotivos serão tão bons cuidadores quanto os pais biológicos?
(a) Macho e fêmea do opilião Quindina limbata dentro de um ninho. O
círculo pontilhado mostra ovos brancos recentemente colocados parcialmente
enterrados pela fêmea no chão do ninho. (b) Dois indivíduos marcados de Q. limbata: um macho dono de ninho e uma
fêmea associada ao ninho do macho. Note que a fêmea está em contato próximo com
a parede externa do ninho, estende seu segundo par de pernas sensoriais e toca
a parede do ninho. Créditos da imagem: Rosanette Quesada-Hidalgo.
Como eles fizeram?
Os
cientistas fizeram duas viagens de 8 dias às florestas tropicais da Costa Rica nas
quais fizeram um experimento em campo. Nos primeiros 4 dias de cada viagem, eles
procuraram e marcaram os ninhos, os opiliões que estavam nos ninhos e os
adultos que estavam circulando sem ninho. Para identificar os adultos
individualmente, os cientistas utilizaram uma tinta que não tem efeito no
comportamento dos opiliões e os pintaram com padrões diferentes de cores.
No início
do quinto dia, os cientistas separaram os ninhos em dois grupos: grupo teste,
no qual os cientistas removiam permanentemente o macho dono do ninho; e grupo
controle, no qual os cientistas removiam o macho, mas imediatamente o colocavam
de volta no ninho. Os cientistas então observaram os ninhos por 4 dias e
registraram as seguintes informações:
1) se o ninho foi
adotado por algum opilião adulto e o sexo do indivíduo que adotou o ninho. Os
cientistas consideraram como uma adoção quando um mesmo opilião adulto foi
observado dentro do ninho por pelo menos 3 dias, ou quando o indivíduo que
estava dentro do ninho afastava outros opiliões ou predadores que se
aproximavam;
2) a predação
sofrida pelos ovos em todos os ninhos, adotados ou não. Como os ovos são super
difíceis de ver e contar, a intensidade de predação foi medida pelo número e
vezes que um potencial predador era visto dentro do ninho (incluindo opiliões
adultos, que geralmente eram da mesma espécie, e que não adotaram o ninho).
3) o comportamento
das fêmeas que estavam no redor dos ninhos, a fim de observar se elas ajudariam
os machos (adotivos ou não) a cuidar dos ovos.
(c) Fêmea de Quindina limbata canibalizando um ovo (seta branca) dentro de um
ninho do qual o macho dono foi retirado pelos pesquisadores. Créditos da
imagem: Rosanette Quesada-Hidalgo.
O
que eles descobriram?
Como
esperado, a intensidade de predação foi maior nos ninhos vazios (grupo teste)
do que nos ninhos onde os machos foram mantidos (ninhos do grupo controle). As
fêmeas que “adotaram” os ninhos foram vistas comendo os ovos e os principais
predadores que visitaram os ninhos foram fêmeas de opilião, o que confirmou aos
cientistas que as fêmeas estão os principais predadores dos ovos de outras
fêmeas. A principal e mais interessante descoberta da pesquisa diz respeito aos
pais adotivos: eles foram tão eficientes quanto os machos donos de ninhos na
prevenção de ataques por potenciais predadores de ovos.
(d) Um
grilo e (e) um piolho-de-cobra dentro de ninhos dos quais os machos foram retirados
pelos pesquisadores. Tanto o grilo quanto o piolho-de-cobra se alimentam no
chão do ninho e eventualmente consomem ovos enterrados nele. Créditos da
imagem: Rosanette Quesada-Hidalgo.
Por
que isso é importante?
Os
resultados encontrados pelos cientistas constataram que, na espécie de opilião
de ninho de barro (Quindina limbata),
os machos são ótimos em cuidar dos ovos. O cuidado dos machos previne o ataque
de predadores, tornando-se essencial para a sobrevivência da prole. Além disso,
os machos não só cuidam dos seus próprios ovos como podem adotar e cuidar muito
bem de ovos que não são seus!
Mas
por que este comportamento estranho teria evoluído nesta espécie? Qual a
vantagem que os machos obtêm em cuidar dos ovos alheios?
Como
já foi dito no início da notícia, as fêmeas deste opilião só copulam com machos
que possuem ninhos. Por outro lado, construir e manter um ninho demanda muito
tempo e energia para os machos. Ao adotar um ninho vazio, os machos conseguem
um ninho sem custo algum e assim podem conquistar parceiras e ter seus próprios
ovos. Por isso os machos tentam inclusive roubar os ninhos de outros machos.
Porém,
opiliões são canibais e os ovos são cheios de nutrientes, sendo ótimas fontes
de alimento. Sendo assim, por que então os machos que adotam não comem os ovos
e ficam só com o ninho?
Em
muitas espécies de artrópodes e peixes em que machos cuidam da prole sozinhos,
fêmeas se sentem atraídas por machos que já possuam ovos ou filhotes. Elas se
sentem ainda mais atraídas se estes ovos e filhotes estiverem em boas
condições, um sinal de que o acho é um bom cuidador.
Ou
seja: o comportamento em que opiliões machos adotam ninhos vazios provavelmente
é uma estratégia oportunista, na qual machos ganham as vantagens de ter um belo
ninho com ovos, sem ter que gastar energia para produzir um ninho!
Os
resultados desta pesquisa reforçam a importância tanto da seleção natural
(evitar a morte dos ovos) quanto da seleção sexual (se tornar atraente para as
fêmeas) para a evolução da exclusividade do cuidado paternal nas espécies.
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Para acessar o
artigo científico, clique aqui.
Autores do artigo: Rosannette Quesada-Hidalgo, Diego Solano-Brenes, Gustavo S. Requena e Glauco Machado
#2 Pais cuidadosos ou amantes interesseiros? A novela dos aracnídeos que cuidam de seus filhos
Na
notícia de hoje, contarei outra pesquisa feita por ex-colegas do laboratório no
qual eu fiz o doutorado. Este foi o trabalho de iniciação científica da Louise M. Alissa, no
qual ela investigou o porquê de apenas alguns machos de uma espécie de opilião
cuidarem da prole. Segue a notícia:
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Cuidado paternal: quando machos
cuidam dos filhotes
Fêmeas investem muito mais na produção de gametas
do que machos e por isso, tradicionalmente, esperamos que fêmeas se dediquem
mais em cuidar dos filhotes. Porém, o cuidado paternal é encontrado em diversas
espécies. Machos que exibem cuidado paternal gastam tempo e energia cuidando de
filhotes, por isso gastam menos tempo procurando fêmeas para copular. Assim, o
cuidado paternal deve evoluir somente quando os ganhos em cuidar dos filhotes
são maiores que os custos para os machos.
Custos e
benefícios de cuidar de filhotes variam com as características da espécie e com
características individuais de cada macho. Em espécies em que machos tem
haréns, cuidar de filhotes diminui o tempo que os machos poderiam investir em impedir que suas fêmeas copulem com outros
machos. Nesses casos, espera-se que não haja cuidado, ou que só a fêmea cuide.
Além disso, espera-se que machos atraentes cuidem menos da prole, já que são
eles que conseguem atrair várias fêmeas e formar haréns. Por outro lado, machos
pouco atraentes dificilmente vão conseguir muitas parceiras, por isso espera-se
que estes machos dediquem mais tempo cuidando dos filhotes.
Opiliões são aracnídeos, primos das aranhas, que não tem veneno e são inofensivos para
os seres humanos. Na espécie de opilião Serracutisoma
proximum, machos mais atrativos defendem territórios. As fêmeas escolhem o
macho, copulam com ele, deixam os seus ovos no território do macho e ficam ali
cuidando deles. Machos com território mantêm haréns e patrulham o território
para evitar que machos solteiros copulem com as fêmeas. Curiosamente, alguns machos
donos de haréns são observados tomando conta de ovos quando a mãe não está por
perto.
Para esclarecer
este comportamento dos machos, os cientistas buscaram responder as seguintes
dúvidas:
1) será que o
comportamento cuidar ou não da prole está relacionado à atratividade dos machos?
2) quando os machos cuidam, a mortalidade dos ovinhos diminui?
3) ter dúvidas
sobre à paternidade dos ovos afeta o cuidado paternal?
Macho de Serracutisoma proximum tomando conta dos
ovos deixados por uma das fêmeas de seu harém. Créditos da imagem: Louise M.
Alissa
Como eles fizeram?
Os cientistas fizeram um experimento
em campo, no qual manipularam os indivíduos na natureza. Eles encontraram 35 haréns nos riachos onde
esses animais são encontrados na floresta. Em cada harém, os cientistas
identificaram as fêmeas que estavam com ovos e removeram uma delas. Eles então
observaram:
- se o macho dono do
harém foi cuidar destes ovos
- se o macho era atrativo
ou não (ou seja, se ele costumava atrair muitas fêmeas)
- se o macho dono do harém protegia os ovos de possíveis predadores
- se machos que tinham
mais certeza que eram pai dos ovos cuidavam mais. Como medida de “certeza de
paternidade”, os cientistas utilizaram a frequência com que os machos ficavam
perto das fêmeas do harém. A lógica é: se o macho estava sempre de olho, ele
sabe que nenhum outro macho se aproximou das fêmeas de seu harém e que ele é o
pai.
O que eles descobriram?
A maioria dos
machos donos de harém se colocou sobre os ovos quando a mãe foi removida,
indicativo de cuidado paternal. Porém, eles não foram muito bons cuidadores.
Primeiramente, o número de ovos que morreram com ou sem os machos por perto foi o mesmo. Este foi o primeiro resultado inesperado, já que, em um estudo anterior, cientistas perceberam que a presença de machos diminuiu a mortalidade dos ovos.
Em segundo
lugar, quando novas fêmeas chegaram ao harém, estes machos permitiram que elas
comessem os ovos que eles supostamente estavam cuidando. Em seguida, eles
copulavam com elas.
Por fim, machos mais atraentes ou que tinham menores certezas de paternidade passaram menos tempo cuidando dos ovos do que machos menos atraentes ou que tinham mais certeza de paternidade.
Macho de Serracutisoma proximum tomando conta dos ovos deixados por uma das fêmeas de seu
harém. Créditos da imagem: Louise M. Alissa
Por que isso é importante?
Entender os
custos e benefícios do comportamento dos indivíduos é crucial para entendermos
como eles evoluíram. O estudo feito com o opilião S. proximum trouxe importantes esclarecimentos sobre a evolução do
cuidado paternal. Na espécie estudada, machos cuidam dos ovos, mas a qualidade
do cuidado depende do quanto o macho está ganhando com isso. Se o macho é muito
atraente, ou se o macho não tem certeza que é o pai dos ovos, ele prefere
investir em conseguir novas parceiras ao invés de cuidar. Além disso, caso
machos tenham a chance de ter mais filhotes com outras fêmeas, eles não se
importam em sacrificar os filhotes que já existem. Assim, dependendo das
características do macho e da situação na qual ele se encontra, encontraremos
bons ou maus pais na natureza. Na espécie estudada, cuidar ou não é opcional para
os machos e depende das condições atuais. Em outras, o cuidado paternal é
crucial para que os filhotes sobrevivam, por isso evoluiu e é obrigatório. Podemos
esperar que o cuidado paternal evolua e se estabeleça somente quando cuidar da
prole aumenta o sucesso reprodutivo dos machos.
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#1: Aranha-macho criada na pobreza mantém economia mesmo após melhorar de vida
Na notícia de hoje, contarei a
pesquisa feita por ex-colegas do laboratório no qual eu fiz o doutorado, cujo
primeiro autor é meu grande amigo Renato C. Macedo-Rego. Ele pesquisou se o quanto uma aranha-macho come no passado afeta sua
capacidade de oferecer comida para as fêmeas no presente. Segue a notícia:
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Em muitas
espécies, os machos capturam e oferecem presas para as fêmeas ao cortejá-las. Chamamos
essa comida que é oferecida para conquistar parceiras sexuais de presente nupcial.
Do ponto de
vista da fêmea, a qualidade do presente oferecido pelo macho traz duas
informações importantes: 1) o macho é um bom caçador e consegue capturar presas
volumosas; 2)o macho pôde deixar de comer para oferecer a presa como presente,
o que é um sinal de que ele está com a barriga cheia e em boa condição física.
Assim, machos que oferecem bons presentes nupciais devem gerar filhos
saudáveis, o que garantirá uma ninhada saudável para a fêmea.
Mas o que determina a qualidade da
presa oferecida pelo macho? Será que é alguma capacidade com a qual o macho
nasce, algo genético? Ou será que a história de vida do macho, como as
experiências que ele vive, são importantes? Para descobrir qual o efeito da
dieta dos machos na qualidade do presente que eles oferecem, os pesquisadores
escolheram a aranha Paratrechalea ornata,
encontrada no Uruguai e em várias regiões do Sul do Brasil.
Macho de Pisaura mirabilis segurando o presente nupcial que construiu para atrair fêmeas. Créditos da imagem: Luiz Ernesto Costa-Schmidt
Como eles fizeram?
Os
pesquisadores coletaram as aranhas-macho jovens e criaram essas aranhas no
laboratório com a mesma dieta alimentar, para que todas tivessem a mesma
condição física quando se tornassem adultas. Na 1ª etapa do experimento, os
pesquisadores dividiram as aranhas-macho adultas em grupos com diferentes
dietas: 1) grupo bem alimentado; 2) grupo mal alimentado. Após três semanas, na
2ª etapa do experimento, ambos os grupos tiveram suas aranhas-macho divididas
em outros dois grupos cada: A) grupo bem alimentado; B) grupo mal alimentado. Portanto, ao final desta 2ª etapa, os cientistas dispunham de 4 grupos de aranhas:
1.A) Sempre bem
alimentadas;
1.B) Bem
alimentadas antes, mal alimentadas depois;
2.A) Sempre mal
alimentadas;
2.B) Mal
alimentadas antes, bem alimentadas depois.
Durante a 2ª
etapa do experimento, todas as aranhas-macho foram mantidas em potes que
continham teias produzidas por fêmeas, o que estimula os machos a construir presentes
nupciais. Ao final do experimento, os pesquisadores contabilizaram quantas
aranhas de cada grupo deixaram de comer as presas para construir presentes
nupciais.
O que eles descobriram?
Os
pesquisadores perceberam que:
- quase todas as
aranhas-macho do grupo 1A construíram presentes nupciais, quantidade maior do
que as quantidades de aranhas que construíram presentes nos outros 3 grupos
experimentais;
- poucas
aranhas-macho do grupo 2B construíram presentes, mesmo após comerem bem (a
quantidade de aranhas-macho que construiu presentes foi igual a quantidade do
grupo 2A);
- comparando
somente as aranhas-macho dos grupos 1B e 2B que construíram presentes, os
machos os do grupo 2B construíram presentes menores.
Macho de Pisaura mirabilis segurando o presente nupcial que construiu para atrair fêmeas. Créditos da imagem: Luiz Ernesto Costa-Schmidt
Por que isso é importante?
Para os machos,
este comportamento ‘econômico’ é um problema. Machos que não oferecem presentes
nupciais dificilmente conseguem conquistar fêmeas e ter filhotes. Além disso,
quanto maior o presente que o macho oferece, mais atraente ele é para uma fêmea. Dado que
machos que passaram fome no início da fase adulta não constroem presentes ou
constroem presentes pequenos, estes machos não conseguirão copular mesmo que
estejam em boa condição no presente.
Para as fêmeas, este comportamento ‘econômico’ dos machos pode ser vantajoso. Em outra espécie de aranha (Pisaura mirabilis), machos que passaram fome produzem filhos fracos, mesmo que estejam em boa condição física no momento de construir o presente. Dessa forma o presente nupcial oferecido pelo macho serve como um sinal honesto de sua qualidade e da qualidade dos filhotes que ele vai gerar. O que é ótimo para a população de aranhas!
Concluindo
O comportamento
de machos adultos da espécie de aranha Paratrechalea
ornata depende de sua história de vida, o que ajuda as fêmeas a escolher
parceiros e pode garantir a qualidade da prole produzida por essas fêmeas.
Para acessar o artigo científico, clique aqui. Autores do artigo: Renato C. Macedo-Rego, Luiz Ernesto Costa-Schmidt, Eduardo S. A. Santos e Glauco Machado .
Erika M. Santana
3/3: A revolução das fêmeas
Na ciência, nós
estamos sempre descobrindo fatos que nos fazem revisar as teorias e repensar em
tudo que sabíamos. Por volta de 1980, as técnicas de biologia molecular e os
testes de paternidade se tornaram acessíveis e os pesquisadores puderam testar
a paternidade dos filhotes não só em humanos, mas em várias outras espécies de
animais. Qual não foi a surpresa da comunidade científica ao perceber que entre
os filhotes de aves supostamente monogâmicas havia um monte de bastardinhos!?
Mais especificamente, em 90% das espécies de aves consideradas monogâmicas
foram encontrados filhotes que não eram dos pais que os criavam. E não é só
isso! Mesmo nas espécies majoritariamente monogâmicas, cerca de 11% dos filhotinhos
eram de outros macho [1].
Sendo assim, contrariando o que se esperava de acordo com os papéis sexuais tradicionais,
fêmeas da maioria das espécies de aves estavam copulando com mais de um (as
vezes vários) machos durante seu período reprodutivo. No jargão técnico, essas
fêmeas são conhecidas como poliândricas (poli = muitos, andros =
macho).
Casal de aves da espécie Morus bassanus, monogâmicos sociais que nem sempre são fiéis. [Fonte da imagem]
Após as
descobertas com aves, o número de estudos que encontraram poliandria nas fêmeas só cresceu. Em 2013, uma importante revista
científica lançou uma edição inteira só com artigos explorando as implicações
da poliandria para pesquisas sobre evolução por seleção sexual [2]. No ano seguinte, um artigo de revisão confirmou que a poliandria é
amplamente encontrada em várias espécies animais, incluindo invertebrados e
vertebrados [3]. Porém, o número de fêmeas poliândricas em cada população e a quantidade de
machos com que cada uma delas copula varia bastante, tanto entre diferentes
espécies como dentro de populações da mesma espécie. Na prática, isso significa que é possível encontrar na natureza fêmeas
monogâmicas, pouco poliândricas ou muito poliândricas. A avalanche de
informações sobre poliandria trouxe consigo duas perguntas inquietantes:
(1) Por que as
fêmeas são poliândricas?
(2) Quais as
vantagens que levaram à evolução da poliandria?
As perguntas
acima vêm sendo exploradas e respondidas ao longo dos últimos dez anos, ou
seja, estamos apenas no início de uma longa jornada científica. Já sabemos,
porém, que a poliandria pode aumentar a variabilidade genética da prole,
gerando filhotes mais resistentes às adversidades do ambiente, incluindo o
ataque de parasitas. A poliandria também é vantajosa quando machos oferecem
comida em troca de sexo, já que quanto mais parceiros sexuais uma fêmea tiver,
mais recursos alimentares ela poderá acumular. Há espécies em que machos matam
os filhotes de outros machos, tanto para eliminar os descendentes de um rival
como para fazer com que fêmeas entrem no cio novamente. Como forma de evitar o
assassinato de filhotes, fêmeas copulam com vários machos do bando e geram
dúvidas sobre quem é o verdadeiro pai dos filhotes ― dessa forma, machos não
matam filhotes que podem ser deles. Fêmeas podem também aceitar copular com
machos insistentes ou assediadores quando o esforço para tentar afastá-los é
alto, um comportamento conhecido como poliandria de conveniência. Por fim,
contrariando o que se imaginava, a produção de esperma parece não ser
ilimitada. Machos podem não ter esperma suficiente para fecundar todos os
gametas das fêmeas, especialmente se eles já copularam com muitas outras fêmeas
ou se estão debilitados fisicamente. Nesses casos, o sucesso reprodutivo das
fêmeas passa a depender, em parte, do número de machos com os quais elas
copularam, pois será necessário acumular esperma de muitos machos para garantir
a fecundação de todos os óvulos. Em todas as situações acima, as fêmeas se
beneficiam em copular com muitos machos, ao contrário do previsto pelo
paradigma Darwin-Bateman e pelos papéis sexuais tradicionais.
Nos bonobos (Pan paniscus),
parentes próximos dos humanos, as fêmeas são altamente poliândricas [Fonte da imagem]
Muito se
avançou no conhecimento sobre a poliandria, mas ainda falta muito a descobrir.
Nesse cenário é que se inseriu minha tese de doutorado, por exemplo.
Agora que vocês
já sabem o que é seleção sexual e como ela funciona, estamos prontos para
conhecer algumas das pesquisas sensacionais feitas sobre sexo. No próximo post,
tratei a primeira história das Sex News!
Érika M. Santana
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Fontes citadas no texto:
1- Griffith, S.C., Owens, I.P.F.,
Thuman, K.A. (2002) Extra pair paternity in birds: a review of interspecific
variation and adaptative function. Molecular Ecology, 11:2195-2212.
2-
Pizzari, T., Wedell, N. (2013) The polyandry revolution. Philosophical
Transactions of the Royal Society B, Volume 368, Issue 1613.
3-
Taylor, M.L., Price, T.A.R., Wedell, N. (2014) Polyandry in nature: a global
analysis. Trends in Ecology & Evolution, 29:376-383.
2/3: E depois do Darwin?
Como eu
expliquei no post anterior, a competição entre machos pelo acesso às fêmeas e a
escolha de parceiros sexuais pelas fêmeas são os dois mecanismos descritos por
Darwin para explicar como a seleção sexual ocorre. Apesar de ter dado o pontapé
inicial, Darwin não foi muito além disso, pois suas ideias sobre seleção sexual
encontraram uma enorme resistência dentro e fora da academia. O próximo grande
passo na nossa compreensão sobre o SEXO no mundo natural ocorreu em 1948,
quando o geneticista Angus John Bateman publicou os resultados de seus
experimentos de acasalamento feitos com moscas de fruta (Link para a citação original aqui).
Bateman identificou cada mosca e registrou o número de cópulas por indivíduo
(sim, voyerismo animal), o número de filhotes por indivíduo e a habilidade
dos filhotes produzidos em competirem com os outros por comida.
Bateman
descobriu que: (1) quanto mais os machos copulavam, mais filhotes eles
deixavam; (2) copular mais não aumentava o número de filhotes produzidos pelas
fêmeas; (3) alguns machos conseguiam copular muito mais e ter muito mais
filhotes que outros; (4) as fêmeas variavam pouco entre si na
quantidade de cópulas e no número de filhotes produzidos ao longo da vida; (5)
quando as fêmeas puderam escolher com qual macho copular, seus filhotes eram
mais habilidosos em competir por comida do que os filhotes daquelas que copularam com machos sorteados por Bateman. Baseado nos
resultados de seus experimentos, Bateman chegou a algumas conclusões gerais
sobre o comportamento sexual de machos e fêmeas:
1) Machos investem pouca energia por gameta, produzindo grandes quantidades de gametas pequenos e móveis (espermatozóides). Isto faz com que machos tenham o potencial de deixar um número maior de filhotes ao longo da vida, ou seja, possuam uma grande taxa reprodutiva potencial. Sendo assim, o sucesso reprodutivo de machos depende do número de fêmeas que eles conseguem fecundar. Por isso, espera-se que machos compitam entre si pelo acesso às fêmeas.
2) Fêmeas investem muita energia e gastam mais tempo para produzir seus poucos gametas imóveis. Por isso, fêmeas tem uma taxa reprodutiva potencial menor. Logo, seu sucesso reprodutivo depende da qualidade do macho com o qual ela copula. Assim, fêmeas deveriam escolher bem com quem copular.
Esta atribuição de papéis sexuais para machos e fêmeas é
chamada de paradigma Darwin-Bateman e foi um dos avanços mais
importantes no entendimento de como a seleção sexual age sobre os organismos em
geral.
Esquema lógico do Paradigma Darwin-Bateman. A
partir de diferenças iniciais no tamanho dos gametas, temos uma sequência de
eventos que influenciam o comportamento sexual de machos e fêmeas.
No próximo post, vou explicar como e porque as espécies que fazem sexo para se reproduzir não se comportam exatamente como previsto Paradigma pelo Darwin-Bateman. Não percam!
Erika M. Santana
1/3: Para além da seleção natural...
Quase todo mundo (e, com certeza, todo biólogo), sabe quem foi Charles Darwin. No seu livro “A Origem das Espécies” publicado em 1859, Darwin revolucionou a forma como entendemos o mundo ao propor a teoria da evolução das espécies por seleção natural. O que poucos sabem é que, em 1871, Darwin publicou um outro livro: “A Descendência do Homem e Seleção em Relação ao Sexo”. Neste segundo livro, Darwin relata que, em muitas espécies, podemos encontrar indivíduos com características exageradas (especialmente os machos), que não só trazem desvantagens para a sobrevivência como reduzem a habilidade de fuga e a capacidade de conseguir alimentos. Talvez o exemplo mais conhecido seja a cauda do pavão que, apesar de ser linda, faz com que os machos sejam presas fáceis para seus predadores. O dilema para o qual Darwin não tinha uma resposta convincente quando publicou seu primeiro livro era: como características que só atrapalham o dia a dia dos machos podem ter evoluído por seleção natural? A resposta só veio no seu segundo livro, quando ele propôs a teoria da SELEÇÃO SEXUAL.
Mas exatamente
o que é e como funciona essa tal de seleção sexual? Formalmente, a seleção sexual se refere às ‘diferenças
não aleatórias no sucesso dos indivíduos de uma espécie em conseguir parceiros
e gerar filhotes’. Essas diferenças seriam resultado da competição entre indivíduos
do mesmo sexo (em geral machos) pelo acesso aos indivíduos do sexo oposto
(fêmeas), e à escolha de parceiros sexuais (em geral feita pelas fêmeas).
Parece complicado? Bem, vamos por partes.
Imagine uma
espécie em que machos e fêmeas sejam morfologicamente iguais. Agora imagine que
devido a mutações genéticas sofridas ao acaso um macho desenvolva uma
característica que traga vantagens na disputa por fêmeas. Pode ser, por
exemplo, o surgimento de chifres que o ajudem a afastar machos rivais para
longe das fêmeas. O surgimento de chifres
nos machos traz vantagens não apenas na obtenção de parceiras sexuais, mas também
na sobrevivência, pois os chifres podem ser usados para afugentar predadores.
Ao longo do tempo, machos com chifres maiores sobreviverão melhor, copularão
com mais fêmeas e deixarão mais filhotes do que machos com chifres pequenos. A competição entre machos pelo acesso às
fêmeas é o primeiro mecanismo que Darwin reconheceu como sendo parte do
processo de seleção sexual.
O segundo mecanismo que faz parte do processo de seleção sexual reconhecido por Darwin é a escolha de parceiros sexuais. É a preferência feminina por características masculinas que explica a evolução da cauda do pavão. Segundo Darwin, fêmeas teriam uma predileção inata por ornamentos vistosos e acasalariam com machos de ornamentos maiores, mais coloridos ou mais elaborados. No final do século XIX, a ideia de que a escolha das fêmeas era importante para a evolução de características masculinas foi mal recebida. Não apenas pela sociedade como também pelos pesquisadores. Porém, na primeira metade do século XX, a escolha feminina voltou a ser estudada. Então, a hipótese de uma "predileção inata por ornamentos vistosos" foi substituída pela existência de genes que controlam a preferência das fêmeas por características masculinas. Hoje, por exemplo, sabemos que tais genes existem e que os filhotes do sexo feminino herdam os genes de preferência de suas mães. Ainda buscamos compreender como tais genes de preferência surgiram e se mantiveram na população ao longo das gerações. De qualquer forma, o padrão geral é bem conhecido.
Em resumo, tanto a presença de armamentos (tais como chifres) como de ornamentos (tais como a cauda do pavão) que aumentam o sucesso de acasalamento e o número de filhotes de um indivíduo devem ter evoluído por seleção sexual. Um macho com armamento ou ornamento desenvolvido não só deixará mais filhotes, como também seus filhOs herdarão as características do pai. Além disso, suas filhAs herdarão “o gosto” das mães por machos com tais características. Se quanto maior for o chifre ou a cauda de um macho, mais fêmeas tal macho conseguir fecundar, o resultado esperado é que, ao longo do tempo, só haja machos com chifres ou caudas longas na população. Não importa se ter chifres e ornamentos grandes ajuda ou atrapalha a sobrevivência dos machos. O que importa é que essas características aumentam o números de filhotes que esses machos tem.
No próximo post,
vou explicar como a soma das ideias de Darwin com os resultados de um experimento feito no início do
século XX levaram os cientistas a estabelecer papéis sexuais para
machos e fêmeas. Não percam!
Erika M. Santana
Bem vindos!
Olá a todos e
bem vindos ao Sex News! Neste espaço, pretendo falar sobre SEXO. Calma, não será um espaço para textos
eróticos. Nada contra, na verdade. Mas o intuito deste blog é explicar como
nós, biólogos comportamentais e evolucionistas, fazemos pesquisa científica
sobre o sexo dos organismos em geral.
Eu sei que alguns
acham que fazer pesquisa sobre sexo no mundo natural é uma mistura de Laura Muller com National Geographic, ou uma combinação de curiosidade,
fofoca, erotismo e voyerismo animal.
Bom, pelo menos é isso que meus familiares e amigos não-biólogos pensam quando
digo que estudo sexo. Às vezes é mais ou menos assim mesmo. Porém, respostas
sobre questões relacionadas ao sexo são importantes para entendermos o
surgimento de muitas das características morfológicas, fisiológicas e
comportamentais que vemos nos organismos. Sabendo disso, decidi criar esse
espaço para contar um pouco das pesquisas envolvendo sexo.
Os primeiros posts
desse blog serão para explicar PORQUE o sexo foi e é importante para a
evolução. Em seguida, irei contar os resultados bacanas de pesquisas feitas por
mim e por colegas sobre esse tema. O intuito é mostrar para vocês O QUE abordam
essas pesquisas, bem COMO pesquisas sobre sexo são feitas.
Escrever textos
aqui será uma empreitada totalmente nova para mim. Sendo assim, críticas
construtivas, dicas, dúvidas ou sugestões serão muito bem vindas.
Espero que vocês gostem do conteúdo deste humilde espaço, que sua leitura seja
prazerosa e que você sempre aprenda algo novo.
Um beijo!
Erika M.
Santana